terça-feira, 12 de maio de 2015

Amigos quero compartilhar com vocês um artigo publicado no blog do cervejeiro Ricardo Rosa em 15 de dezembro de 2011 e que entendo ser muito didático e importante para nos que estamos iniciando neste universo.

Brassagem sem lavagem: eficiência versus qualidade?

Quando achamos que já vimos de tudo sobre fabricação de cerveja, aparece algo que ainda nos surpreende. No caso, estou falando sobre uma matéria que saiu na edição de novembro da revista Brew Your Own, que traz uma matéria sobre brassagem sem lavagem (no-sparging, no original). A matéria é assinada por Dave Louw.
É claro que fazer a brassagem sem lavar não é muita novidade, mas o que surpreende é a suposta melhoria na qualidade da cerveja, segundo a matéria. Essa melhoria ocorre principalmente em cervejas mais leves, onde diferenças mais sutis têm mais chances de serem percebidas.
O início da matéria é bastante convincente em relação a essa melhoria. Descreve um fato vivenciado pelo autor, quando julgava algumas cervejas na primeira fase do concurso mais importante de cervejas caseiras dos Estados Unidos, o NHC (National Homebrewing Competition), em 2008. O estilo era Ordinary Bitter, e uma cerveja se destacou em muito por sua “profundidade” nas características de malte, sem deixar de ser seca, leve e agradável. Mais tarde, descobriu que a cerveja acabou sendo a campeã de seu estilo e tinha sido feita por ninguém menos que Jamil Zainasheff. Além disso, a receita campeã era conhecida do autor, que já a tinha reproduzido em casa, com exatamente os mesmos ingredientes, mas sem conseguir a mesma qualidade. Deduziu que deveria haver algo de diferente no processo e, através de trocas de emails com o cervejeiro campeão, deduziu que o fator principal era a diferença em eficiência. Enquanto ele conseguia regularmente algo em torno de 85% de eficiência, Jamil fabricava consistentemente em torno de 70%, propositadamente, por achar que assim conseguia melhores resultados em termos de qualidade.
A partir daí, Dave fez várias pesquisas e experiências, convergindo para a brassagem sem lavagem como fator principal. Não fica claro se Jamil evitava a lavagem também ou se apenas fazia a lavagem de tal forma a ficar com 70% de eficiência; acredito que ele fazia a lavagem. Independentemente disso, a impressão é de que o método de não-lavagem foi a melhor maneira encontrada por Dave de alcançar consistentemente os 70% de eficiência e de aumentar a presença do malte na cerveja. Um fato concreto é que, em seguida, Dave ficou em primeiro lugar na sessão sudoeste do NHC de 2009 com uma Ordinary Bitter feita dessa maneira.
A ideia é bem simples. Ao invés de fazermos uma mostura com algo em torno de 2,5 litros por quilo de malte e, em seguida, uma lavagem com algo em torno de 4 ou 5 litros de água por quilo de malte, fazemos direto uma mostura com algo um pouco acima de 5 litros por quilo de malte e depois apenas deixamos escorrer o mosto sem adicionar água (recirculando antes, naturalmente, e fazendo o mash-out se desejado).
Na brassagem, busca-se a mesma gravidade original que no método com lavagem. O objetivo é obter uma cerveja com os mesmos parâmetros de extrato original, extrato final, teor alcoólico, amargor e cor, apenas com mais percepção de malte. A eficiência será menor e teremos um volume menor de cerveja, ou então teremos que aumentar a quantidade de malte para ter o mesmo volume de cerveja.
Uma outra vantagem do método, bem mais óbvia, é que sem a lavagem o processo é menos trabalhoso e requer uma boca de fogão a menos (ou menos trocas de panelas entre a mesma boca). Ainda não está claro pra mim se acaba sendo mais rápido ou não, pois evita-se o tempo gasto com a lavagem, mas há um tempo maior esquentando uma maior quantidade de água para a mostura e, se for o caso, para o mash-out e/ou outras paradas de temperatura.
Uma pequena variação desse método e que deve, sim, economizar mais tempo é fazer uma parada de sacarificação com uma diluição intermediária, algo como 3,5 litros por quilo, e, ao final da sacarificação, adicionar uns 2 litros de água mais quente para levar a mistura direto até a temperatura de mash-out, para, em seguida, drenar o mosto do bagaço sem fazer a lavagem.
Uma grande desvantagem é que a mostura com 5 ou mais litros de água por quilo requer uma panela maior de brassagem, ou limita mais o volume final de cerveja.
O autor não dá uma explicação detalhada para o motivo da diferença em qualidade. Apenas imagina que uma uniformidade maior na gravidade do mosto diminua a extração de taninos. E que talvez haja uma diferença nas substâncias extraídas no início da mostura em comparação com às extraídas no final da lavagem. Mas o fato concreto é que, por algum motivo, ele nota uma diferença na qualidade.
Essa questão da eficiência é surpreendente, pois estamos acostumados a buscar o máximo possível de eficiência, como se isso fosse sinônimo de qualidade, ou, no mínimo, de alguma suposta excelência na técnica. Isso definitivamente é uma quebra de paradigma. Eu, em particular, estava muito feliz em conseguir regularmente uma eficiência entre 85 e 90% para cervejas leves, tendo ido a 92 e 93% dependendo da receita. Mas agora é hora de rever os conceitos.
Mas a questão principal não é a eficiência em si, mas a forma de obter a eficiência. Além da lavagem, fatores como a moagem do malte e o controle de temperatura durante a mostura também fazem diferença. Não adianta ter uma moagem ruim e obter algo em torno de 70% de eficiência lavando muito. É preciso ter, de fato, um bom método com o qual você possa obter iso sem a lavagem ou, pelo menos, lavando pouco.
Dave descreve que, comparando lado a lado cervejas de baixa gravidade feitas pelos dois processos, uma maior intensidade de malte “fresco” é percebida na que não teve lavagem, com aroma e sabor que se assemelham à experiência que se tem quando se abre um saco novo de grãos de malte.
Resta saber, no entanto, se a diferença é tão sutil que apenas algumas pessoas extraordinárias sentiriam a diferença ou se é algo mais aparente e que nós, normais, sentiríamos também. Espero poder descobrir, porque essa técnica eu certamente não vou deixar de experimentar. Já estou me programando para fazer a minha próxima leva desse jeito. A idéia é produzir mais uma versão da minha Fornicale, uma bitter com algo em torno de 4% de teor alcoólico, mais do que apropriada para essa experiência.

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