Brassagem sem lavagem: eficiência versus qualidade?
É claro que fazer a brassagem sem lavar não é muita novidade, mas o que surpreende é a suposta melhoria na qualidade da cerveja, segundo a matéria. Essa melhoria ocorre principalmente em cervejas mais leves, onde diferenças mais sutis têm mais chances de serem percebidas.
O início da matéria é bastante convincente em relação a essa melhoria. Descreve um fato vivenciado pelo autor, quando julgava algumas cervejas na primeira fase do concurso mais importante de cervejas caseiras dos Estados Unidos, o NHC (National Homebrewing Competition), em 2008. O estilo era Ordinary Bitter, e uma cerveja se destacou em muito por sua “profundidade” nas características de malte, sem deixar de ser seca, leve e agradável. Mais tarde, descobriu que a cerveja acabou sendo a campeã de seu estilo e tinha sido feita por ninguém menos que Jamil Zainasheff. Além disso, a receita campeã era conhecida do autor, que já a tinha reproduzido em casa, com exatamente os mesmos ingredientes, mas sem conseguir a mesma qualidade. Deduziu que deveria haver algo de diferente no processo e, através de trocas de emails com o cervejeiro campeão, deduziu que o fator principal era a diferença em eficiência. Enquanto ele conseguia regularmente algo em torno de 85% de eficiência, Jamil fabricava consistentemente em torno de 70%, propositadamente, por achar que assim conseguia melhores resultados em termos de qualidade.
A partir daí, Dave fez várias pesquisas e experiências, convergindo para a brassagem sem lavagem como fator principal. Não fica claro se Jamil evitava a lavagem também ou se apenas fazia a lavagem de tal forma a ficar com 70% de eficiência; acredito que ele fazia a lavagem. Independentemente disso, a impressão é de que o método de não-lavagem foi a melhor maneira encontrada por Dave de alcançar consistentemente os 70% de eficiência e de aumentar a presença do malte na cerveja. Um fato concreto é que, em seguida, Dave ficou em primeiro lugar na sessão sudoeste do NHC de 2009 com uma Ordinary Bitter feita dessa maneira.
A ideia é bem simples. Ao invés de fazermos uma mostura com algo em torno de 2,5 litros por quilo de malte e, em seguida, uma lavagem com algo em torno de 4 ou 5 litros de água por quilo de malte, fazemos direto uma mostura com algo um pouco acima de 5 litros por quilo de malte e depois apenas deixamos escorrer o mosto sem adicionar água (recirculando antes, naturalmente, e fazendo o mash-out se desejado).
Na brassagem, busca-se a mesma gravidade original que no método com lavagem. O objetivo é obter uma cerveja com os mesmos parâmetros de extrato original, extrato final, teor alcoólico, amargor e cor, apenas com mais percepção de malte. A eficiência será menor e teremos um volume menor de cerveja, ou então teremos que aumentar a quantidade de malte para ter o mesmo volume de cerveja.
Uma outra vantagem do método, bem mais óbvia, é que sem a lavagem o processo é menos trabalhoso e requer uma boca de fogão a menos (ou menos trocas de panelas entre a mesma boca). Ainda não está claro pra mim se acaba sendo mais rápido ou não, pois evita-se o tempo gasto com a lavagem, mas há um tempo maior esquentando uma maior quantidade de água para a mostura e, se for o caso, para o mash-out e/ou outras paradas de temperatura.
Uma pequena variação desse método e que deve, sim, economizar mais tempo é fazer uma parada de sacarificação com uma diluição intermediária, algo como 3,5 litros por quilo, e, ao final da sacarificação, adicionar uns 2 litros de água mais quente para levar a mistura direto até a temperatura de mash-out, para, em seguida, drenar o mosto do bagaço sem fazer a lavagem.
Uma grande desvantagem é que a mostura com 5 ou mais litros de água por quilo requer uma panela maior de brassagem, ou limita mais o volume final de cerveja.
O autor não dá uma explicação detalhada para o motivo da diferença em qualidade. Apenas imagina que uma uniformidade maior na gravidade do mosto diminua a extração de taninos. E que talvez haja uma diferença nas substâncias extraídas no início da mostura em comparação com às extraídas no final da lavagem. Mas o fato concreto é que, por algum motivo, ele nota uma diferença na qualidade.
Essa questão da eficiência é surpreendente, pois estamos acostumados a buscar o máximo possível de eficiência, como se isso fosse sinônimo de qualidade, ou, no mínimo, de alguma suposta excelência na técnica. Isso definitivamente é uma quebra de paradigma. Eu, em particular, estava muito feliz em conseguir regularmente uma eficiência entre 85 e 90% para cervejas leves, tendo ido a 92 e 93% dependendo da receita. Mas agora é hora de rever os conceitos.
Mas a questão principal não é a eficiência em si, mas a forma de obter a eficiência. Além da lavagem, fatores como a moagem do malte e o controle de temperatura durante a mostura também fazem diferença. Não adianta ter uma moagem ruim e obter algo em torno de 70% de eficiência lavando muito. É preciso ter, de fato, um bom método com o qual você possa obter iso sem a lavagem ou, pelo menos, lavando pouco.
Dave descreve que, comparando lado a lado cervejas de baixa gravidade feitas pelos dois processos, uma maior intensidade de malte “fresco” é percebida na que não teve lavagem, com aroma e sabor que se assemelham à experiência que se tem quando se abre um saco novo de grãos de malte.
Resta saber, no entanto, se a diferença é tão sutil que apenas algumas pessoas extraordinárias sentiriam a diferença ou se é algo mais aparente e que nós, normais, sentiríamos também. Espero poder descobrir, porque essa técnica eu certamente não vou deixar de experimentar. Já estou me programando para fazer a minha próxima leva desse jeito. A idéia é produzir mais uma versão da minha Fornicale, uma bitter com algo em torno de 4% de teor alcoólico, mais do que apropriada para essa experiência.